Texto escrito por Marcelo Arruda
Como costumo dizer, o trabalho é uma oportunidade que temos
de fazer o bem, aprendermos sobre a vida e ainda, sendo remunerado. Sempre
encarei meu trabalho como algo muito além de um mero “meio de vida”, vejo-o
como um caminho que pode me elevar, trazer-me conhecimento e experiência não só
profissional, mas de vida.
Quando pensamos assim, acredito eu, abrimos uma janela de
possibilidades para que mistérios da vida se revelam para nós. Muitas foram as
lições que aprendi ao longo de minha carreira como palestrante, com
treinamentos de equipe, mas, principalmente enquanto psicólogo. Atuo em um CRAS
faz 8 anos, para quem não sabe, CRAS é um órgão do setor público que atua
diretamente com famílias, em especial as que se encontram em situação de
vulnerabilidade social. Ou seja, imaginem nestes tantos anos, quantas histórias
de negligência, abandono, pobreza extrema e outras temáticas tristes tive de
enfrentar, todas das quais, é possível tirar valiosas lições.
Porém, o fato que quero narrar não é necessariamente uma
destas história de tristeza, é possível, como o leitor poderá avaliar,
considera-la uma história de fé, positividade e de uma grande beleza. Enquanto
psicólogo do CRAS, fui, juntamente com uma assistente social, realizar uma
visita a uma família cujos moradores haviam solicitado ajuda de mantimentos
tendo em vista a grave crise financeira que enfrentavam, tratava-se de um
bairro da zona rural, bem distante da cidade onde a maior parte do percurso era
através de uma estrada de terra. Estava um calor escaldante, o carro da
prefeitura não era dos mais confortáveis, a estrada de acesso era de terra,
esta combinação (calor e estrada de terra) não era das melhores, ao mesmo tempo
que suávamos intensamente, a poeira da estrada grudava em nosso corpo e cabelo,
não precisa nem dizer que eu não estava bem humorado, reclamando secretamente
sobre aquela situação incomoda.
Uns quarenta minutos depois chegamos na residência, a visão
era chocante, uma taperinha erguida com madeira e remendado com lonas velhas,
tudo muito simples, uma casinha pequena onde residiam pai, mãe e quatro
crianças. Sufocado naquela pequena casa, saí para o quintal enquanto a
assistente social colhia os dados da família para o cadastro, fui até o carro,
peguei minha garrafinha de água mineral e pus-me a observar aquela casinha simples
pensando sobre como seria viver ali sem um conforto mínimo, sem internet, sem
uma televisão de qualidade, perdi-me nestas reflexões abstraindo-me daquele
espaço-tempo até ser interrompido por uma criança que saiu não sei de onde, com
o seguinte questionamento que mais parecia uma convicta afirmação.
- Casa bonita né tio?
Aquela vozinha franzina, porém, firme, trouxe-me para aquela
realidade tal como como quem acorda subitamente de um sonho profundo. O que
responderia para aquele doce menininho? Enchi-me da hipocrisia adulta da qual
ele ainda desconhecia e o respondi.
- Sim filho, sua casa é bonita! Obviamente, minha falta de
convicção não o convenceu, e ele, pôs-se a justificar sua verdade.
- É tio, você viu como ela é grande?
Tem o rio, o pasto, meus bichinhos, tem meus pais e meus irmão.
Olhei novamente aquele cenário, como
pude-me cegar diante tanta beleza? O menino tinha razão, o quintal era enorme,
o terreno era tomado por galinhas, cachorros e patos, mais ao fundo uns
boizinhos, na baixada da casa corria um majestoso rio envolto a árvores onde
certamente aquelas crianças se divertiam nos dias de calor.
Aquela criança era pura, como Adão e
Eva antes de comer do fruto do conhecimento, não precisava de muito, era livre
e podia ser feliz com seus pais, irmão, animaizinhos e toda aquela liberdade.
Ele não se estressava com joguinhos de celular, não perdia horas do dia em
frente a telas, não xingava toda vez que o sinal da internet oscilava, era
livre de tudo isso.
Vi naquela criança uma felicidade genuína, uma leveza de
espirito muito diferente das centenas de crianças estressadas e depressivas que
atendi ao longo de minha carreira. Tinha uma positividade que anulava os
aspectos negativos de sua existência e supervalorizava os positivos. Aos olhos
da razão, evidentemente aquela criança precisava ser amparada, precisava de
melhores recursos, mas ela, não estava nem aí para tudo isso.
A assistente social saiu da casa acompanhada da mãe do
garoto, ele a viu e correu para o seu lado, em um gesto espontâneo a mãe abriu
os braços e o acolheu! Faltava muito naquela família, mas, não faltava amor!
Fui embora com olhos lacrimejantes, a colega assistente
social perguntou o que havia acontecido, tentei narrar, mas as lágrimas foram
se intensificando, respirei fundo e disse que depois explicaria tudo.
Em meu retorno a cidade, pude ver aquela estrada com os olhos daquele menino, e como era bela, cheia de vida e cores! Muitas são as lições que este episódio permite, destaco aqui o fato de que como nos afastamos de uma felicidade muito simples e acessível e inventamos outros modos de “felicidades” muito mais complexos, aponto também sobre como muitas vezes queremos medir o mundo, o outro, que as vezes é tão diferente da gente, mas insistimos em medi-los como nossa régua. Por derradeiro, de vez enquanto, quando sinto que estou supervalorizando o supérfluo e afastando-me do essencial, paro tudo e olho para minha vida com os olhos daquele pobre menino rico.
Leia mais de Marcelo Arruda:
VOCÊ – uma abordagem humanista através da psicoterapia

Muito bom, conseguiu me prender na história,,,,,,,

Perfeito, linda história. Emocionada aqui.

Linda história, incrível, parabéns ❤️❤️❤️