Vitor
Oliveira foi superacessível desde o pré-lançamento, cortês e engajado na
interação da obra com o público; por isso, aceitou na hora fazer uma entrevista
sobre seu livro me abraça? A Giostri conversou com o autor
durante seu lançamento. Confira abaixo a entrevista.
A respeito da capa do livro, tem
uma constelação. Qual a relação dessa constelação com a capa do livro e o
título? Por que essa constelação?
Essa constelação é a constelação de Virgem. Faço parte de um
coletivo de teatro que se chama Astreia, e na mitologia grega Astreia é a deusa
da justiça, uma deusa menor da justiça que vivia entre a humanidade – acho que
da época de bronze – ensinando justiça, ensinando a plantar, colher, cuidar dos
animais, senso de justiça, ética, todas essas coisas de virtudes humanas. E, na
mitologia, ela tem esse período de ensinamento da humanidade, só que aí a caixa
de pandora é aberta e as mazelas humanas dominam o mundo e corrompem a
humanidade, e ela não consegue viver com a humanidade sendo corrompida dessa
forma – começar a ter os crimes, a maldade, coisas ruins, humano se
maltratando, e ela fica muito triste com isso. Nisso, ela foge para uma
caverna, para se esconder, mas continua ajudando quem ia atrás dela. Só que
piora a situação, ela fica muito triste e entra num choro profundo. Ela é filha
de Zeus, e nesse choro profundo Zeus se compadece com ela e a transforma numa
constelação, que é a constelação de Virgem, e a promessa dela é que ela
voltaria para a Terra quando a humanidade retornasse para o caminho virtuoso. E
o que tem a ver Astreia que é o título da Cia com o texto? Esse me abraça?
é uma procura que essas várias personagens têm dentro do texto; é, entre muitas
coisas, essa procura pela Astreia. Essas personagens estão esperando ela
retornar para a Terra porque é um sinal de que voltamos para o caminho
virtuoso. E é essa espera para ela descer para a Terra de novo, esse caminho de
buscar a virtualidade num mundo corrompido. E o me abraça? é bem difícil
explicar, mas é esse contato, é como se quando eles encontrassem a Astreia, vai
ter o abraço, vai ter o contato e vai ter no coração e vai se entender que
estão num caminho virtuoso. Acho que é mais ou menos isso que tem a ver a
constelação, com o me abraça? e a história da dramaturgia.
E, inclusive sobre a Cia que você
faz parte, fala um pouco da sua história com o teatro e como que isso se
relaciona com a sua pesquisa do absurdo e mundo dos sonhos. Qual a relação
desse estudo do circo e da palhaçaria com a obra, também?
Eu me formei pela Cia Dona de Teatro, em Santo André, formação
de 4 anos, me formei lá não me recordo exatamente há quanto tempo, mas um
tempinho – 2018, se eu não me engano. E, dentro da cia do Nó, na pedagogia que
eles trouxeram quando eu estudei lá, a formação era dividida em quatro módulos anuais
e cada módulo tinha uma vertente de estudo. A primeira era a construção da
cena, a segunda a construção da personagem, e aí na construção da personagem geralmente
a gente estudava tragédias porque era o mais próximo de humanas que a gente
tinha para construção de personagem. Módulo 3 era gêneros e estilos teatrais, e
aí a gente estudava principalmente tragédia e comédia, parciomelodrama e o
módulo 4 meio que equilibrava, assim, a turma escolhia que caminho seguir. No
meu módulo 3, a gente fez uma pesquisa sobre teatro do absurdo, que foi o meu
primeiro contato com o teatro do absurdo, em que a gente fez um espetáculo que
se chamava Um Devaneio Para Lorca, lonesco e arrabal, A gente fez uma colagem
com vários textos do teatro do absurdo nessa montagem como uma homenagem para o
teatro do absurdo. E aí eu já me encantei, falei: “Nossa, o teatro do
absurdo... é fantástico.” E aí me formei, o meu módulo 4 teve um pouquinho de
teatro do absurdo, mas foi um pouco mais trágico, assim, porque foi meio que
uma tragédia. E aí me formei no Nó, fui para a Escola Livre de Teatro que é
onde estou atualmente estudando, estou na formação 24 da escola no meu segundo
ano – dois anos de estudos pandêmicos está sendo... complexo. E aí, dentro da
Escola Livre, por causa da pandemia e essa questão de como as aulas se dariam
no formato online, a escola resolveu abrir os terreiros de estudo, que eram os
professores da escola escolhendo o que eles queriam dar de aula para também
alimentar a pesquisa deles e o se fazer online, e a gente escrevia uns terreiros
que a gente gostaria de estudar. Eu, desde a primeira edição (teve umas 4 ou 5)
, todas eu me inscrevi no terreiro do Alexandre Tenório, que foi meu professor
no meu primeiro ano lá e ele é um pensador do teatro fantástico – na minha
opinião – e ele fez todos os terreiros de estudo dele voltados para o Teatro do
Absurdo, e aí eu retomei o Teatro do Absurdo, porque eu, Vitor, como ator,
acredito que o Teatro do Absurdo, na minha opinião, é a melhor forma... Não a
melhor forma, mas uma forma muito eficaz de fazer teatro. Eu acho que faz uma
combinação de crítica social e política e estética teatral de uma forma que
outras vertentes do teatro não conseguem fazer. E aí eu me encantei pelo teatro
do absurdo, estudei vários textos com ele, e aí depois que eu fui estudando por
conta própria o Teatro do Absurdo na obra, assim, né... Porque o Teatro do
Absurdo é muito amplo. No meu texto, o absurdo vem muito inspirado no texto Esperando
Godot, do Beckett, que é essa linha dramatúrgica onde nada acontece. Tem
muita coisa sendo dita, tem muita coisa sendo falada, tem imagens que você
consegue visualizar, mas não tem uma ação dramática muito bem desenhada, como
as peças bem feitas têm, né, via de regra. Então essa minha pesquisa, esses
meus estudos no teatro do absurdo culminaram em eu escrever o me abraça?
dessa forma – o teatro do absurdo também tem essa característica de explodir as
regras dramatúrgicas. Então quando eu não tenho personagens, no texto, eu já
explodi uma regra, que aí também sou eu tentando descobrir o meu teatro do
absurdo na escrita. Então, por exemplo, eu escolhi não ter personagens. Eu
escolhi não ter uma linha dramática muito bem desenhada. Eu escolhi o fim não
ser um fim... lógico. A peça não tem começo, meio e fim. Não tem uma narrativa
que você consiga ler, ou... assistir, entender ela como um filme, ou como a
maioria das peças são feitas. Então eu acho que o Teatro do Absurdo, na minha
obra, especificamente, vem nesse lugar, de meio que borrar todas as formas e regras
que a dramaturgia – não todas, né, que a gente não vai generalizar aqui – mas que
a grande maioria é escrita, que é pensando personagem, pensando conflito,
pensando começo, meio e fim da história, pensando a “lição de moral” – entre
aspas – da história... Então o meu absurdo no me abraça? é isso, porque
eu escrevo ele num período pandêmico, em que todos os absurdos do mundo ficaram
escancarados aos nossos olhos. E esse é o meu jogo no absurdo, assim... E
quanto à palhaçaria, ela vem muito mais na visão de montagem do que no texto em
si. O texto... Apesar que, não, também, porque o texto é bem denso, mas tem
muitos momentos de alívios cômicos, então esses alívios cômicos na dramaturgia
aparecem nesse lugar da palhaçaria, mas ela vai ser muito mais evidenciada
talvez numa montagem, onde as ações físicas vão potencializar esses alívios
cômicos que têm dentro da dramaturgia.
E tudo isso que você falou tem toda
relação com a estrutura do seu texto que surpreende a gente, como na página 57
que tem só um escrito “Vazio”, ao final da folha – é uma das minhas páginas
favoritas – chama muito a atenção,
porque quebra a estrutura tradicional do livro, também, em si. Inclusive, sobre
a sua peça “Homens, corram atrás, o amor está fugindo de suas mãos”, ela tem
alguma relação com o estilo que vem do ‘me abraça?’ ou não?
Sim e não. O “Homens” foi minha primeira dramaturgia,
né, então eu fui muito mais comedido em seguir as regras teatrais de uma
dramaturgia. O me abraça? sou eu me libertando de algumas regras. No “Homens”,
por exemplo, tem personagens: Homem 1, Homem 2, Homem 3, Homem 4, 5 e 6, e quando
eu escrevi eu não queria ter personagens. E aí coloquei personagens como uma
convenção teatral da escrita, mesmo. Eu fui muito mais conservador na escrita
do “Homens”. Então eu acho que o me abraça? no meu estilo Vitor de escrever dramaturgia é muito mais honesto com a minha
estética do que o “Homens” foi, mas o “Homens” tem algumas coisinhas que,
se você ler, você consegue visualizar também no me abraça? Por exemplo, tem uma coisa que eu como ator gosto, que quando me dá um texto eu
me delicio, que são os grandes monólogos. Então o “Homens” tem essa
coisa de grandes monólogos. Aí no me abraça? numa primeira leitura pode
parecer um grande monólogo, né, e pode sim ser um grande monólogo. Eu não
escrevi pensando num monólogo, mas pode ser. Então essa característica de textos
longos vem do “Homens”, assim, que é uma coisa que eu como ator gosto de
pegar e me debruçar sobre textos por um longo período em cena. O “Homens”
também tem algumas coisas de pontuação, por exemplo. No “Homens” tem alguns
momentos que, apesar de ter as personagens, eu estava entendendo que as falas
poderiam se confundir, então não tem pontuação, por exemplo, pontuações finais.
Às vezes a frase continua na boca de uma outra personagem. Esse jogo das
palavras, da possibilidade de as palavras serem ditas por vozes diferentes, tem
no “Homens”, mas de uma forma muito mais conservadora, em que no me
abraça? eu coloco de uma forma mais livre, assim, que eu consigo falar: “Eu
vou escrever dessa forma, e esse grupo de atores e atrizes que quiserem montar
vão ter que se debruçar para entender como que vai ser dito. O meu trabalho
como dramaturgo não vai ser falar: “Ah, a personagem A vai falar isso, ator B
vai falar isso, atriz C vai falar isso”. E aí no me abraça? eu consegui
me libertar de umas amarras que eu tinha durante o “Homens”.
E com certeza muita gente que for ler seu livro vai
sentir essa liberdade e possibilidade numa escrita autoral, numa possibilidade
de atuação, de tudo, porque assim como é uma liberdade para você pode ser para
muitas pessoas quando forem pegar seu livro. E sem dúvida essa entrevista vai
dar um outro olhar para você, para a obra, para todos que acessarem o site e
conferirem mais sobre você. Muito obrigada, Vitor!
Eu que agradeço!