Poliana Pitteri é uma mulher determinada e de muita
bagagem no meio educacional e cultural, além da sua trajetória como mãe e
escritora. Professora de história, diretora artística e fundadora da Cia
Naturalis de Teatro, Poliana traz a poesia atravessada por seus múltiplos meios
de expressão e modo de ver a vida. No sábado, 02 de outubro de 2021, lançou
aqui na Giostri o seu livro Entre outras...,
uma coletânea de escritos com prosa, poesia e dramaturgia. Foi muito simpática
durante toda a entrevista.
A Giostri conversou com a autora
durante seu lançamento. Aceitou de prontidão o convite e foi muito simpática
durante toda a entrevista.
O título
do seu livro ‘entre outras...’ vem de um
poema, e eu queria saber como foi a sua escolha desse título, desse poema
específico. Qual foi a inspiração relacionada a esse poema?
Na verdade, foi o contrário, eu já tinha o nome do livro e não tinha
o nome poema (risos). E aí eu vi que combinava com aquele poema embora aquele
poema não seja um poema que norteie os outros escritos do livro. Então quando
eu reuni esses textos, essa ideia desse nome tem muitos anos, quase uns dez
anos atrás, que eu tinha alguns escritos e eu tinha essa vontade de publicá-los,
fui escrevendo mais ao longo desse tempo, e quando eu juntei um pouco de cada
época do que eu escrevia eu vi que esse nome ainda se encaixava para isso e no
meio desses dez anos eu escrevi esse poema e vi que esse poema também encaixava
com o nome, então ele veio depois do nome do livro.
Então essa
coletânea de poesia, prosa, dramaturgia, foi uma construção, é isso? Como que
surgiu essa ideia?
Eu sempre gostei muito de escrever, desde criança, e eu sou
professora de teatro então eu ouço muitas pessoas falando: “Nossa o meu sonho
era atuar, eu sempre quis atuar quando eu era criança, eu brincava disso” e eu
não me via nisso de sempre querer atuar, o teatro surgiu muito por acaso na
minha vida, só que eu sempre gostei de escrever, eu era a criança que fazia o
jornal do bairro, o jornal da escola (risos) e a minha mãe fala que a minha professora
da primeira serie elogiava muito, que eu escrevia, então eu tinha essa relação
com a escrita, mas sempre muito amadora né. E escrevia muita poesia. Acho que
era muito da nossa geração, escrevia também uns diários, então eu tinha
escritos que eram mais íntimos e aí, com o tempo, eu fui estudando dramaturgia,
fazendo cursos de escrita e fui desenvolvendo outros formatos de escrever e
tentando escrever de uma forma um pouco menos amadora, mais...Mais madura sobre
a minha relação com a vida também.
E você é
professora, e você sabe o quanto na escola foi importante esse incentivo da
escrita. Enquanto educadora, como você vê a importância do incentivo à escrita
na escola?
Olha, eu acho que gente está numa fase das redes sociais, a
informática tem a importância da escrita e da leitura, elas são tão
fundamentais porque a gente tem lido muito o que as pessoas escrevem nas redes
sociais, mas a gente tem interpretado muito pouco isso... E isso tem gerado
muitos problemas para a sociedade, problemas políticos como o que a gente está
vivendo hoje... Então eu acho que esse incentivo a escrever ele é muito, muito
importante, tem sido muito falho na educação atual, porque eu também sou
professora de história e os trabalhos que eu leio ultimamente (isso não precisa
nem publicar (risos) mas), são trabalhos Ctrl
C Ctrl V, e é uma coisa que machuca
bastante né, que você tenta trazer algum sentimento crítico para o que você
está ensinando, estudando... E tem sido muito difícil, então o estímulo à
leitura para consequentemente gerar um estimulo à escrita é fundamental e está
em defasagem mesmo, infelizmente.
Sim, e a importância da leitura... Você
fala que é amante de livros né na sua biografia, quais são as suas inspirações
literárias?
Acho que todas (risos), acho que o livro que eu estiver lendo no
momento. Eu leio de tudo, de literatura mesmo, tiveram dois livros que foram
muito especiais para mim nesse processo, eu gosto dos básicos, da Clarice
Lispector, Jorge Amado – que todo mundo gosta – gosto muito de literatura
russa, sou apaixonada, mas... Teve um livro Simone de Beauvoir Memórias de uma moça bem-comportada que
é uma biografia dela que me estimulou muito a escrever pela forma como ela
escrevia, por eu me identificar com essa vontade de escrever sobre a minha
vida, aquela coisa de contar uma história e um livro da Virginia Woolf que se
chama Um teto todo seu, que ela fala
sobre a importância de mulheres escritoras existirem e, apesar dessa
importância, a dificuldade social que é isso, ela diz que uma mulher precisa
ter um teto todo seu e um bom salário fixo anual para que possa ter a liberdade
da escrita como os homens tiveram ao longo da história, então no final do
livro, que eu não lembro se eu cheguei a citar no meu livro, tem um trecho da
Virginia Woolf que ela fala: “Escreva, ao menos escreva, não me interessa o que
você vai fazer com isso mas se você é mulher e tem essa vontade, escreva” e foi
o último livro que eu li até eu tomar coragem para organizar os meus escritos e
continuar escrevendo. Então estes dois livros foram inspiradores para a
publicação.
E
me conta uma coisa, você fala dessa parte importante sobre a mulher escrever e
na sua biografia você fala “mãe, amante de livros e feminista”. Como cada um
desses elementos fazem parte na sua vida e na sua escrita?
Bom, eles fazem parte primeiro de uma forma muito.... Juntas, né.
Não dá para desassociar uma coisa da outra. Quando eu fui fazer a revisão do
livro eu percebi que ser mãe estava muito presente no livro de uma forma que eu
não tinha percebido, porque muita coisa eu tinha escrito antes da Liz nascer. Só
que na gravidez, talvez pelo ócio, eu tinha muita ideia, eu estava assim... Num
auge de criatividade que eu não sentia antes da minha vida, mas como pela
gravidez eu trabalhei menos, eu fiquei muito tempo parada, eu li mais,
provavelmente eu tive esses estímulos que enquanto a gente está trabalhando,
precisando de dinheiro, precisando fazer a vida acontecer, a gente não tem, a
gente fica alienado das outras coisas. Então eu acho que a gravidez e, depois,
perceber o quanto por ser mulher, mãe, eu fui excluída socialmente de diversos
espaços, de diversas coisas que eu queria ter feito, isso fica muito embutido.
Eu lembro que uma vez estava vendo uma live
do Leandro Karnal e ele falou: “Eu programei quantos livros eu vou escrever”. Ele
falou que fez uma lista de quantos livros ele ia escrever até não lembro que ano
e eu pensei: ”Eu tenho uma lista de quantos livros eu vou ler e se eu não fosse
mãe talvez eu pudesse escrever mais”. Então isso foi outra coisa, também, que
me incentivou falar: “Não posso perder isso... Porque eu sou mãe e porque a
sociedade me exclui por eu ser mãe”. Então acho que ser mãe me deu esse
incentivo de falar: “Não, eu preciso correr atrás, porque eu percebo que está
me deixando ficar para trás esse movimento da maternidade” e enquanto amante de
livros, é uma coisa que eu não sei nem falar, está bem intrínseco mim, está tão
em mim desde criança. Que nem a diretora de uma biblioteca do bairro aonde eu
morava que quando eu contei para ela da publicação do livro, a Elaine, ela
ficou muito emocionada, ela chorou e ela falou: “Eu lembro quando você vinha aqui
com 12 anos” eu não lembro disso (risos) “e você pegava os livros e vinha
naquela época que a criança podia andar sozinha na rua” e ela pediu até pra
gente fazer umas leituras do texto na biblioteca...então eu sempre lia, a minha
tia-avó deixou de herança vários livros pra mim, então tem isso muito forte na
minha família. O meu nome a minha mãe me deu por conta do livro da Pollyanna, e
aí eu tenho a dedicatória da Pollyanna menina e da Pollyanna moça, com um da
minha mãe e outro da minha avó de quando eu tinha um ano que elas me deram.
Então talvez esses estímulos familiares tenham sido muito fortes, mas sempre
envolvida por mulheres.
E me conta uma coisa, eu quero saber
um pouco mais do teatro. Você é professora de teatro... Em questão de literatura
e teatro, o que você acha dessa relação?
Esse ano eu completo vinte anos de teatro, que eu comecei desde a
minha primeira aula de teatro e a gente sempre quis montar tipo uma atriz né,
fazendo atuação, fazendo cursos de teatro que te ensinem a atuar e dez anos
depois eu me descobri através das aulas de teatro como diretora de teatro, hoje
eu trabalho muito mais como professora e diretora do que como atriz. E nesse
movimento de ser diretora de teatro – que parece que é uma escada, mas não é né,
é só um movimento circular – enquanto eu dava aula de teatro eu senti vontade
de me profissionalizar enquanto diretora, fui fazer isso, abri minha companhia
de teatro e tudo mais. E, enquanto diretora de teatro, eu senti vontade de
escrever porque eu sempre montei textos prontos ou textos que a gente criava
coletivamente durante o processo de ensaios, e aí eu senti vontade de escrever
e escrevi a minha primeira dramaturgia quando eu estava grávida. Era sobre
mulheres, uma peça que chama Marias e
foi muito bacana. Teve um recebimento bom do público e isso foi bacana para me
incentivar a continuar escrevendo para o teatro. Só que eu percebi primeiro o
quanto isso é dificílimo, eu acho que dramaturgia é uma das funções mais
difíceis que tem no teatro, das que eu tive contato... E infelizmente não é uma
profissão reconhecida, por exemplo, com carteirinha assinada igual a gente tem
na direção, na atuação... Então fica ainda mais difícil da gente buscar algumas
referências em alguns momentos. Mas a minha relação do teatro com a escrita é
essa de buscar uma voz, porque eu quero falar e às vezes eu não encontro textos
prontos, então quero escrevê-los, eu quero estudar mais para poder escrevê-los.
E como surgiu a Cia Naturalis?
Eu tenho um grande amigo, Rodrigo Giacomin, que talvez vocês
conheçam ele em breve porque ele pretende escrever aqui, e ele é dramaturgo,
ele escreveu um texto chamado Pacto,
eu dava aula para ele na época, e ele falou: “Poli, vamos montar esse texto? ” E
eu li e gostei muito porque falava sobre racismo, sobre abuso contra mulheres,
sobre diversos temas sociais que me permeiam bastante, no meu trabalho com
teatro, e eu falei pra ele: “Vamos, mas vamos montar um grupo de teatro pra não
ficar só nessa peça, pra gente dar continuidade” e assim surgiu a Cia.
Naturalis de Teatro e o nome vem de um livro do Carlos Drummond de Andrade que
chama O Amor Natural, que são os
poemas eróticos. E um outro grande amigo que é ator também, o Pedro – tem até um poema dedicado para ele no livro –
era uma ideia antiga nossa de formar a companhia, só que ele mudou de cidade e
eu falei: “Não, mas o nome que a gente tinha vou continuar, vou levar ele aqui
comigo” e assim surgiu a Cia. Naturalis de Teatro.
Ai que maravilha! Poliana, muito
obrigada!